Reparei primeiro na camisola, de lã grossa, demasiado grossa para o calor que fazia. A malha tinha falhas, ou melhor dizendo, buracos, e tentava, quem sabe, iludir os ossos salientes sob a pele envelhecida e escura do sol. Depois vi os olhos, verdes, vazios. Não encontrei o brilho, há muito perdido.
Ela olhou para mim, de baixo para cima, e o olhar trespassou o meu corpo, como se visse para além de mim. Parecia que há muito que as pessoas haviam deixado de existir para ela. Tem graça. Devia ter aí uns 80 anos e ainda se sentava no chão, na calçada. Tinha a espreitar-lhe das rugas, apesar de tudo, um pingo de juventude, um ar trocista. Como quem diz "estou aqui, sou real e há tantos outros como eu. Olhem, olhem para mim e vejam. Pensem! Culpem-se". E eu obedeci, pensei nela, e houve qualquer coisa de culpa nesse pensamento.
Aquele olhar sem fim, à deriva, ficou sempre na minha memória. Dizia tanta coisa e era, ainda assim, tão cheio de nada. Foi a primeira vez que fiquei a pensar na decadência da idade. E só porque a velhice dela estava ali, à minha frente, a agredir-me e a atirar-me à cara a efemeridade da minha juventude. E agora, de vez em quando, acontece de novo.
1 comentário:
Há uma música da Mafalda Veiga que me arranca invariavelmente uma ou outra lágrima...
O olhar triste e cansado procurando alguém...
E a gente passa ao seu lado a olha-lo com desdém...
Sabes eu acho q todos fogem de ti p'ra não ver, a imagem da solidão que irão sofrer, quando forem como tu, um velho sentado no jardim/um resto de tudo o que existiu...
Não preciso de dizer mais nada, nem de explicar o quanto este texto me arrepiou...
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