4.29.2009

dava-me o indicador para atravessarmos a rua e eu acedia, iludida da minha independência, por não ser a mão toda e abraçava com força o dedo grosso e forte. era nessa altura que quase sempre ele trauteava a música, sempre a mesma, sempre no tom, e de todas as vezes eu ria, envergonhada, porque apesar de não saber nada do amor, na altura eu já desconfiava que aquelas palavras eram de amor.

...o meu amor é peqenino como um grão de arroz, é tão pequeno que ninguém sabe onde mora... ai, se o amor vier, seja o que Deus quiser...

e à segunda estrofe já eu tinha perdido o embaraço e cantava com ele. isto acontecia depois do reencontro, uma vez por semana, às quartas-feiras. todas as quartas-feiras eu sabia que era ele que estaria do lado de fora do colégio e nesses dias, as minhas pernas ganhavam asas. eu saltitava no caminho para o parque enquanto ele mantinha o passo certo e o aprumo. lembro-me da camisa branca. sempre brancas as camisas, como o cabelo. e perfumadas.

no parque eu corria para os baloiços e ele descascava a banana. o nosso ritual para que eu comesse o lanche sem queixas era apanhar das mãos dele com a boca os bocadinhos da banana e do pão entre o vaivém do baloiço. comigo de barriga cheia ele vinha, com paciência infinita, para trás do baloiço aceder ao meu pedido - "mais alto avô, mais alto até tocar com o pé naquele ramo da árvore". e apesar de estar de costas sentia-o sorrir para dentro, como quem faz que sim, enquanto travava a minha vontade de voar. 

homem de poucas palavras, o meu avô, mas de uma sabedoria infinita.


2 comentários:

Goldfish disse...

Sem querer competir contigo no conhecimento da causa e esperando que esteja tudo bem, aqui vai o teu avô:
Um homem alto, que parece mais alto ainda porque é magro (e eu pequenina), sempre muito bem arranjado e que não tinha pinta de já ser avô - então, nem era reformado!
Com um amor profundo pelos seus a transparecer a cada olhar, a cada sorriso de dentes perfeitos, a cada palavra sobre a netinha, a menina dos seus olhos. E a paciência. Paciência para aturar pirralhas que lhe fugiam de bicicleta. Que insistiam em ir ao parque carregadas com patins de rodas de ferro, pesados como trambolhos - que ele transportava. Idas a pé ao parque aquático mais próximo, onde nos perseguia de escorrega em escorrega num passo que não parecia ter dificuldade em acompanhar. Passeios a cavalo em que misturava encorajamento e precaução. E, acima de tudo, a paciência para as tardes de chuva, com a pirralhada trancada dentro de casa.
Poucas palavras, talvez, sábias, sim, sem dúvida, mas principalmente doces.

jonah disse...

...obrigada. é isto mesmo que ele é. não quero esquecer, mas às vezes é difícil. é bom saber que alguém, para além de mim, o vê assim, também :) e pronto, deixaste-me assim, como dizer... sem palavras. mas reavivaste-me muitas recordações boas. obrigada. obrigada.