10.17.2009

:: contrastes

detesto aquela avenida quando escurece. está cheia de turistas desinteressados e de pessoas que me perturbam. hoje, enquanto a descia, fiquei presa naquela cena: um homem de meia idade que tinha um buraco na camisa na zona do ombro e a barba escura de três dias. ia de braço dado com uma senhora bastante mais velha, que se esforçava a sério para acompanhar o passo do homem, rápido, rápido, quase em início de corrida. a senhora ficava cada vez mais para trás mas tinha o braço preso no homem. parecia zangado e andava com fúria. ela, torta, cada vez mais em esforço, o ar bondoso tão característico das rugas a dar lugar à aflição... e então apareceu outro homem, mais novo, juntou-se aos dois, perguntou quanto é que a tia tinha feito, ao que o outro respondeu irritado, dois euros e tal, hoje só fez dois euros e tal.

e eu, que até tinha intenção de chamar a atenção para o esforço da senhora, deixei-me ficar. estática. com as entranhas num nó. depois? depois fui ao teatro...

3 comentários:

fd disse...

Quando anoitece cedo, essa avenida, tal como as outras desta cidade nos dias de semana, têm um peso opressor, com o trânsito, o barulho, o acumular da frustrações do dia, as sombras, onde uns manifestam a fúria e outros arrastam-se abatidos, num ambiente que deixa poucos indiferentes, conforme a carapaça, onde o que se dá e recebe já não é saudável e os nós aparecem, até tudo arrefecer.

Hoje de manhã, com poucas pessoas e carros, o sol e a brisa, arriscava-me a dizer que quase todos os lugares de Lisboa ficam com bom aspecto e até a senhora das rugas bondosas está a ser um pouco mais bem tratada. Conforme o referencial.

Goldfish disse...

É nestas alturas que pensamos que se não formos um tudo-nada indiferentes em relação ao resto do mundo ficamos loucos... Todos nós vemos o mundo de acordo com o que nos rodeia, o que nos é familiar, e tendemos a ficar chocados quando o resto desse mesmo mundo, quantas e quantas vezes mais feio que o nosso, nos entra pela vida dentro, sem pedir licensa nem sequer bater à porta. E se ao menos fosse só nessa avenida...

macaca grava-por-cima disse...

foste ver o quê?

(não tenho capacidade para comentar mais do que isto...)

Bjs